terça-feira, 29 de setembro de 2009

Das Mudanças (ou Não)

De repente, surpreendeu-se. Pensara veementemente que as coisas tomariam um certo rumo e já até havia preparado-se para a nova direção. Não que concordara com o fato. Mas pensara que seria melhor aceita-lo desde já. Sofreria menos?

Pausa. Não na direção, nessa não. Mas uma pausa em seus pensamentos, em suas certezas. Durou milésimos de segundos. Tudo muito rápido. Mas nem por isso insuficientes para não causarem  o devido impacto. Se é que deveria causar impacto. Mas o fato é que tudo mudou. O rumo já não seria mais aquele para o qual se preparara. E agora? O que faria? Afinal, afirmara para si que deveria atentar-se para quando o momento chegasse.

Acontece que o momento chegou. Mas não veio acompanhado pela mudança. Ao contrário. As coisas simplesmente permaneceriam como estiveram pelos últimos tempos. Deveria tranquilizar-se, afinal, é muito mais cômodo permanecer-se no que lhe é conhecido. Ou não?

Não confessou. Mas no fundo, felicitando, aprovou.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Trecho do livro O Lustre, Clarice Lispector

Clarice Lispector, in: O Lustre

“Sabia de um modo vago que já vivera alguma vez ultrapassando os momentos numa cegueira feliz que lhe dava o poder de seguir a sombra de um pensamento através de um dia, de uma semana, de um ano. E isso misteriosamente era viver se aperfeiçoando na obscuridade sem obter um fruto sequer dessa imponderável perfeição.

(...)

Tinha a impressão de que já vivera tudo apesar de não poder dizer em que momentos. E ao mesmo tempo sua vida inteira parecia poder resumir-se num pequeno gesto para frente, numa ligeira audácia e depois num recuo suave sem dor, e nenhum caminho então para onde se dirigir – sem pousar direito no solo, suspensa na atmosfera quase sem conforto, quase confortável, com a languidez cansada que precede o sono. No entanto ao seu redor as coisas viviam por vezes tão violentas. O sol era fogo, a terra sólida e possível, plantas brotavam vivas, trêmulas, caprichosas, casas eram feitas para nelas se abrigarem corpos, braços, contornavam-se ao redor de cinturas, para cada ser e para cada coisa havia um outro ser e uma outra coisa numa união que era um fim ardente sem além.”


Imagem daqui.